1.10.08

Leituras . Julio Cortázar

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" Somos uma família rara. Neste país onde as coisas se fazem por obrigação ou fanfarronice, nós gostamos de ocupações livres, trabalhos porque sim, fantasias que não servem para nada.

Temos um defeito: falta-nos originalidade. Quase tudo o que fazemos é inspirado - digamos francamente, copiado - de modelos célebres. Se inovamos alguma coisa é sempre inevitável: anacronismos ou surpresas, escândalos. O meu tio mais velho diz que somos como as cópias em papel químico, idênticas ao original, embora com outra cor, outro papel, outra finalidade. A minha irmã número três pode-se comparar com o rouxinol mecânico de Andersen; o seu romântismo chega a nausear.

Somos muitos e vivemos na rua Humboldt.

Fazemos coisas, mas é difícil contá-las porque falta o mais importante, a ansiedade e a expectativa de estar a fazer as coisas, as surpresas muito mais importantes que os resultados, os desaires em que a família inteira vem abaixo como um castelo de cartas e durante dias e dias só se ouvem lamentações e gargalhadas. Contar o que fazemos é apenas uma maneira de preencher vazios, porque às vezes estamos pobres ou presos ou doentes, às vezes morre alguém ou (dói-me dizê-lo) alguém trai, renuncia ou entra para a Direcção Impositiva. Não se deduza disto que somos melancólicos ou infelizes. ..."

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