12.11.08
5.11.08
26.10.08
25.10.08
Inevitáveis ingredientes
texto de Paulo Emerenciano a-propósito da reprodução das duas páginas da revista Seara Nova (número editado em Janeiro de 1972 sob a direcção de Augusto Abelaira) distribuidas durante o espectáculo
Lado a lado «inflação» e «crédito». Opostos e, ao mesmo tempo, conceitos aliados ou, talvez, dois pesos da mesma moeda: a ilusão do dinheiro, o sonho da liberdade financeira e o seu castigo. Dois extremos do equilíbrio. No meio, a ganância humana. A relação entre os dois suporta-se a um ritmo bem encadeado.
O crédito fornece o acesso ao dinheiro de muitas pessoas que não o têm. Pessoas e entidades que precisam dele para impulsionar o crescimento das suas actividades, a que chamamos, por exemplo, modernização. Quanto mais modernização e competição, maior a necessidade de dinheiro e maior é a oferta de crédito. O dinheiro em circulação cresce e com ele os preços tendem a aumentar, porque há mais dinheiro disponível para pagar os bens e há mais procura. As taxas de juro descem e facilitam o crédito. À medida que este fenómeno sucede, os preços separam-se do valor real dos bens e como progresso desta lógica de «mais dinheiro, mais compras», a especulação ganha proporções irrealistas e os preços de certos bens tornam-se absurdos, provocando a tal inflação, ou seja a disparidade entre o valor real e o preço. Cria-se uma ilusão generalizada de poder compra baseado no crédito. A sociedade extrema-se na separação entre os que têm e os que não têm. O acesso ao crédito consagra uma certa ascensão social, da qual ninguém se consegue libertar. As pessoas podem exibir-se com maior afirmação e isso torna-se um vício, expressa em tensões consumistas. Surgem os centros comerciais e o grande consumo, a massificação, a globalização. Criam-se grandes empresas, grandes carreiras e futuros promissores, tanto quanto grandes fortunas, nuns casos e miséria noutros. A democracia floresce à sombra do mercado. Os hábitos sofisticam-se e precisam de mais crédito. As roupas, os carros, as casas novas, os móveis, as férias, os electrodomésticos.
Decorre um período largo – pensemos com Kondratiev e Shumpeter em 50 anos – para partir do nada e chegar a um ponto em que a inflação é insustentável. Começa o processo inverso. Dado o nível elevado de preços e o custo de vida se tornar aflitivo, há duas situações: ou as pessoas deixam de pedir crédito ou pedem-no e ficam sobre endividadas. Em ambos os casos, o mercado fica bloqueado, porque o poder de compra pára ou decresce. As taxas de juro sobem para conter o crédito e domesticar a inflação e as empresas deixam de vender os seus produtos. O número de pessoas sem emprego aumenta. A paz social e a democracia entram em risco, em virtude do desespero. O político reage com medidas de contenção e de incentivos aos mercados, associado a uma taxa de juro que trava os excessos do próprio mercado. Se as medidas forem suficientemente absorvidas pelos mercados, a tendência começa a inverter-se e voltamos ao início do ciclo, ao início deste texto. Inversamente, os agentes do mercado não absorvem as medidas. A desconfiança dá origem ao pânico e ocorre um ciclo de decadência, a que se chama «depressão». Em depressão, não existe crédito e a inflação é tão alta que nenhum dinheiro tem valor, nem os produtos, por mais simples que sejam, têm um preço adequado, sobretudo os bens de primeira necessidade que tendem a tornar-se muito escassos. Todo o fluxo de fornecimento de bens e serviços é cortado. A violência entre as pessoas instala-se porque deixa de haver ordem pública devido ao colapso do exército e das forças policiais, também apanhadas no turbilhão. Volta-se à dureza das origens. Volta-se ao zero reinicia-se tudo outra vez. A inflação sempre presente, com a natural variação dos preços, nesta fase ainda alta e a descer, à medida que o trabalho vai dando origem a produção excedentária, os fluxos financeiros vão dando origem a um mercado que se recompõe. Na sequência disso, reemerge o crédito e todo o ciclo de relacionamento entre crédito e inflação. Restabelece-se a ordem e a democracia regressa. Inflação e crédito, mercado e democracia, tudo velhos ingredientes habituais do velho mundo capitalista e da paz social.
Lado a lado «inflação» e «crédito». Opostos e, ao mesmo tempo, conceitos aliados ou, talvez, dois pesos da mesma moeda: a ilusão do dinheiro, o sonho da liberdade financeira e o seu castigo. Dois extremos do equilíbrio. No meio, a ganância humana. A relação entre os dois suporta-se a um ritmo bem encadeado.
O crédito fornece o acesso ao dinheiro de muitas pessoas que não o têm. Pessoas e entidades que precisam dele para impulsionar o crescimento das suas actividades, a que chamamos, por exemplo, modernização. Quanto mais modernização e competição, maior a necessidade de dinheiro e maior é a oferta de crédito. O dinheiro em circulação cresce e com ele os preços tendem a aumentar, porque há mais dinheiro disponível para pagar os bens e há mais procura. As taxas de juro descem e facilitam o crédito. À medida que este fenómeno sucede, os preços separam-se do valor real dos bens e como progresso desta lógica de «mais dinheiro, mais compras», a especulação ganha proporções irrealistas e os preços de certos bens tornam-se absurdos, provocando a tal inflação, ou seja a disparidade entre o valor real e o preço. Cria-se uma ilusão generalizada de poder compra baseado no crédito. A sociedade extrema-se na separação entre os que têm e os que não têm. O acesso ao crédito consagra uma certa ascensão social, da qual ninguém se consegue libertar. As pessoas podem exibir-se com maior afirmação e isso torna-se um vício, expressa em tensões consumistas. Surgem os centros comerciais e o grande consumo, a massificação, a globalização. Criam-se grandes empresas, grandes carreiras e futuros promissores, tanto quanto grandes fortunas, nuns casos e miséria noutros. A democracia floresce à sombra do mercado. Os hábitos sofisticam-se e precisam de mais crédito. As roupas, os carros, as casas novas, os móveis, as férias, os electrodomésticos.
Decorre um período largo – pensemos com Kondratiev e Shumpeter em 50 anos – para partir do nada e chegar a um ponto em que a inflação é insustentável. Começa o processo inverso. Dado o nível elevado de preços e o custo de vida se tornar aflitivo, há duas situações: ou as pessoas deixam de pedir crédito ou pedem-no e ficam sobre endividadas. Em ambos os casos, o mercado fica bloqueado, porque o poder de compra pára ou decresce. As taxas de juro sobem para conter o crédito e domesticar a inflação e as empresas deixam de vender os seus produtos. O número de pessoas sem emprego aumenta. A paz social e a democracia entram em risco, em virtude do desespero. O político reage com medidas de contenção e de incentivos aos mercados, associado a uma taxa de juro que trava os excessos do próprio mercado. Se as medidas forem suficientemente absorvidas pelos mercados, a tendência começa a inverter-se e voltamos ao início do ciclo, ao início deste texto. Inversamente, os agentes do mercado não absorvem as medidas. A desconfiança dá origem ao pânico e ocorre um ciclo de decadência, a que se chama «depressão». Em depressão, não existe crédito e a inflação é tão alta que nenhum dinheiro tem valor, nem os produtos, por mais simples que sejam, têm um preço adequado, sobretudo os bens de primeira necessidade que tendem a tornar-se muito escassos. Todo o fluxo de fornecimento de bens e serviços é cortado. A violência entre as pessoas instala-se porque deixa de haver ordem pública devido ao colapso do exército e das forças policiais, também apanhadas no turbilhão. Volta-se à dureza das origens. Volta-se ao zero reinicia-se tudo outra vez. A inflação sempre presente, com a natural variação dos preços, nesta fase ainda alta e a descer, à medida que o trabalho vai dando origem a produção excedentária, os fluxos financeiros vão dando origem a um mercado que se recompõe. Na sequência disso, reemerge o crédito e todo o ciclo de relacionamento entre crédito e inflação. Restabelece-se a ordem e a democracia regressa. Inflação e crédito, mercado e democracia, tudo velhos ingredientes habituais do velho mundo capitalista e da paz social.
24.10.08
23.10.08
CONFERÊNCIA DOS PÁSSAROS EM NAGA MASJID
Encontraram-se pra rezar e beber chá
com pétalas de rosa a boiar na xícara
e desenharam uma letra que só há
antes do alfabeto e da fala humana
em O SENTIDO DA VIDA É SÓ CANTAR
de António Barahona
com pétalas de rosa a boiar na xícara
e desenharam uma letra que só há
antes do alfabeto e da fala humana
em O SENTIDO DA VIDA É SÓ CANTAR
de António Barahona
20.10.08
13.10.08
4.10.08
Laurie Anderson
what Fassbinder film is it?
the one-armed man walks into a flower shop
and says: what flower expresses
days go by
and they just keep going endlessly
pulling into the future
days go by
endlessly
endlessly pulling you
into the future?
and the florist says : White Lyli
..............
Brueghel / Slide Show
2.10.08
Leituras . William Carlos Williams
1.10.08
Leituras . Julio Cortázar
.
" Somos uma família rara. Neste país onde as coisas se fazem por obrigação ou fanfarronice, nós gostamos de ocupações livres, trabalhos porque sim, fantasias que não servem para nada.
Temos um defeito: falta-nos originalidade. Quase tudo o que fazemos é inspirado - digamos francamente, copiado - de modelos célebres. Se inovamos alguma coisa é sempre inevitável: anacronismos ou surpresas, escândalos. O meu tio mais velho diz que somos como as cópias em papel químico, idênticas ao original, embora com outra cor, outro papel, outra finalidade. A minha irmã número três pode-se comparar com o rouxinol mecânico de Andersen; o seu romântismo chega a nausear.
Somos muitos e vivemos na rua Humboldt.
Fazemos coisas, mas é difícil contá-las porque falta o mais importante, a ansiedade e a expectativa de estar a fazer as coisas, as surpresas muito mais importantes que os resultados, os desaires em que a família inteira vem abaixo como um castelo de cartas e durante dias e dias só se ouvem lamentações e gargalhadas. Contar o que fazemos é apenas uma maneira de preencher vazios, porque às vezes estamos pobres ou presos ou doentes, às vezes morre alguém ou (dói-me dizê-lo) alguém trai, renuncia ou entra para a Direcção Impositiva. Não se deduza disto que somos melancólicos ou infelizes. ..."
....
" Somos uma família rara. Neste país onde as coisas se fazem por obrigação ou fanfarronice, nós gostamos de ocupações livres, trabalhos porque sim, fantasias que não servem para nada.
Temos um defeito: falta-nos originalidade. Quase tudo o que fazemos é inspirado - digamos francamente, copiado - de modelos célebres. Se inovamos alguma coisa é sempre inevitável: anacronismos ou surpresas, escândalos. O meu tio mais velho diz que somos como as cópias em papel químico, idênticas ao original, embora com outra cor, outro papel, outra finalidade. A minha irmã número três pode-se comparar com o rouxinol mecânico de Andersen; o seu romântismo chega a nausear.
Somos muitos e vivemos na rua Humboldt.
Fazemos coisas, mas é difícil contá-las porque falta o mais importante, a ansiedade e a expectativa de estar a fazer as coisas, as surpresas muito mais importantes que os resultados, os desaires em que a família inteira vem abaixo como um castelo de cartas e durante dias e dias só se ouvem lamentações e gargalhadas. Contar o que fazemos é apenas uma maneira de preencher vazios, porque às vezes estamos pobres ou presos ou doentes, às vezes morre alguém ou (dói-me dizê-lo) alguém trai, renuncia ou entra para a Direcção Impositiva. Não se deduza disto que somos melancólicos ou infelizes. ..."
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Leituras . Julio Cortázar
......
" .... Alguém canta no andar de cima! Nesta casa há um andar de cima! Nesta casa há um andar de cima, com outras pessoas! Um andar de cima onde vivem pessoas que nem imaginam o andar de baixo, e cá estamos todos na bola de cristal. E se de repente uma traça aparece na ponta de um lápis e palpita como um fogo cinzento, olha-a, eu olho-a, sinto esse coração pequeníssimo, oiço-a a essa traça que vive na bola de cristal frio, nada está perdido. Ao abrir a porta, ao chegar à escada, saberei que a rua está já ali em baixo; não o molde imposto, não as casas conhecidas, não o hotel em frente: a rua, floresta viva onde cada instante pode invadir-me como uma magnólia, onde as caras começam quando as olho, quando avanço, quando com os cotovelos, pestanas e unhas me atiro minuciosamente contra a massa da bola de cristal e arrisco a vida enquanto avanço passo a passo para ir comprar o jornal à esquina."
seguido de Instruções Para Descer Escadas
" .... Alguém canta no andar de cima! Nesta casa há um andar de cima! Nesta casa há um andar de cima, com outras pessoas! Um andar de cima onde vivem pessoas que nem imaginam o andar de baixo, e cá estamos todos na bola de cristal. E se de repente uma traça aparece na ponta de um lápis e palpita como um fogo cinzento, olha-a, eu olho-a, sinto esse coração pequeníssimo, oiço-a a essa traça que vive na bola de cristal frio, nada está perdido. Ao abrir a porta, ao chegar à escada, saberei que a rua está já ali em baixo; não o molde imposto, não as casas conhecidas, não o hotel em frente: a rua, floresta viva onde cada instante pode invadir-me como uma magnólia, onde as caras começam quando as olho, quando avanço, quando com os cotovelos, pestanas e unhas me atiro minuciosamente contra a massa da bola de cristal e arrisco a vida enquanto avanço passo a passo para ir comprar o jornal à esquina."
seguido de Instruções Para Descer Escadas
12.9.08
leituras . Instruções para Dar Corda ao Relógio
de Julio Cortázar
Lá bem no fundo está a morte, mas não tenha medo.
Segure o relógio com uma mão, com dois dedos na roda da corda, suavemente faça-a rodar. Um outro tempo começa, perdem as arvores as folhas, os barcos voam, como um leque enche-se o tempo se si mesmo, dele brotam o ar, a brisa da terra, a sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Quer mais alguma coisa? Aperte-o ao pulso, deixe-o correr em liberdade, imite-o sôfrego. O medo enferruja as rodas, tudo o que se poderia alcançar e foi esquecido vai corroer as veias do relógio, gangrenando o frio sangue dos seus pequenos rubis. E lá bem no fundo está a morte se não corrermos e chegarmos antes para compreender que já não interessa.
leituras . Instruções para Chorar
de Julio Cortazar
Prescindindo dos motivos, vamos ater-nos à maneira correcta de chorar ou seja, um pranto que não ingresse no escândalo, nem insulte o sorriso com paralela e torpe semelhança. Consiste o pranto médio ou corrente numa contracção geral do rosto e num som espasmódico acompanhado de lágrimas e ranho, este último no final, já que o pranto termina no momento em que uma pessoa se assoa energicamente.
Para chorar, dirija a imaginação para si mesmo, e se isto lhe for impossível por haver contraído o hábito de acreditar no mundo exterior, pense num pato coberto de formigas ou nesses golfos do estreito de Magalhães onde nunca ninguém entra.
Quando o pranto começar, você cobrirá com decoro o rosto usando para tal ambas as mãos com as palmas viradas para dentro. As crianças chorarão com a manga do bibe a tapar a cara, e de preferência a um canto do quarto.
Duração média do pranto, três minutos.
Para chorar, dirija a imaginação para si mesmo, e se isto lhe for impossível por haver contraído o hábito de acreditar no mundo exterior, pense num pato coberto de formigas ou nesses golfos do estreito de Magalhães onde nunca ninguém entra.
Quando o pranto começar, você cobrirá com decoro o rosto usando para tal ambas as mãos com as palmas viradas para dentro. As crianças chorarão com a manga do bibe a tapar a cara, e de preferência a um canto do quarto.
Duração média do pranto, três minutos.
10.9.08
leituras . "Tee-reee-sa!"
The Man Who Shouted Teresa
by Italo CalvinoMy shadow took fright at the moon and huddled at my feet.
Someone walked by. Again I shouted: "Teresa!" The man came up to me and said: "If you do not shout louder she will not hear you. Let's both try. So: count to three, on three we shout together." And he said: "One, two, three." And we both yelled, "Tereeeesaaa!"
A small group of friends passing by on their way back from the theater or the café saw us calling out. They said: "Come on, we will give you a shout too." And they joined us in the middle of the street and the first man said one to three and then everybody together shouted, "Te-reee-saaa!"
Somebody else came by and joined us; a quarter of an hour later there were a whole bunch of us, twenty almost. And every now and then somebody new came along.
Organizing ourselves to give a good shout, all at the same time, was not easy. There was always someone who began before three or who went on too long, but in the end we were managing something fairly efficient. We agreed that the "Te" should be shouted low and long, the "re" high and long, the "sa" low and short. It sounded fine. Just a squabble every now and then when someone was off.
We were beginning to get it right when somebody, who, if his voice was anything to go by, must have had a very freckled face, asked: "But are you sure she is home?"
"No," I said.
"That is bad," another said. "Forgotten your key, have you?"
"Actually," I said, "I have my key."
"So," they asked, "why dont you go on up?"
"I don't live here," I answered. "I live on the other side of town."
"Well, then, excuse my curiosity," the one with the freckled voice asked, "but who lives here?"
"I really wouldn't know," I said.
People were a bit upset about this.
"So, could you please explain," somebody with a very toothy voice asked, "why you are down here calling out Teresa."
"As far as I am concerned," I said, "we can call out another name, or try somewhere else if you like."
The others were a bit annoyed.
"I hope you were not playing a trick on us," the frecled one asked suspiciously.
"What," I said, resentfully, and I turned to ther others for confirmation of my good faith. The others said nothing.
There was a moment of embarrassment.
"Look," someone said good-naturedly, "why don't we call Teresa one more time, then we go home."
So we did it one more time. "One two three Teresa!" but it did not come out very well. Then people headed off for home, some one way, some another.
I had already turned into the square when I thought I heard a voice still calling: "Tee-reee-sa!"
Someone must have stayed on to shout. Someone stubborn.
9.9.08
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